A Venezuela denuncia a venda ilegal da sua maior refinaria no exterior, a Citgo Petroleum, com sede nos Estados Unidos. O juiz Leonard Stark, da corte do estado de Delaware, emitiu uma nova sentença, na última sexta-feira (15), autorizando a liquidação da empresa para quitar uma dívida de US$1,4 bilhão da estatal petrolífera venezuelana PDVSA com a empresa mineradora canadense Crystallex.
Ainda que a empresa está avaliada em US$8 bilhões, pode ser arrematada por até 17% do seu valor, segundo decisão de Stark.
A unidade da PDVSA está instalada nos Estados Unidos há quase 30 anos, mas a partir de 2017 começou a ser alvo de uma série de sanções dos EUA, que iam desde suspender o visto do presidente da PDVSA até impedir que a Citgo transferisse dinheiro ou combustível para a Venezuela. O caso se arrasta há anos na justiça estadunidense, mas tomou novos contornos a partir de 2019, quando a Casa Branca passou a reconhecer Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela.
O líder opositor nomeou um procurador especial para defender a Citgo. No entanto, José Ignácio Hernández havia trabalhado anos antes como advogado da empresa demandante, Crystallex. Além disso, gravações telefônicas levantadas pelo Ministério Público venezuelano mostram como Hernández dialogava com representantes do Banco Mundial para vender outros bens públicos venezuelanos no exterior.
O próprio FBI apontou em uma investigação de que Juan Guaidó e Leopoldo López, principais líderes do partido de extrema-direita Voluntad Popular, teriam contratado laranjas para comprar ações da Citgo e mais tarde beneficiar-se com a sua venda. Um verdadeiro jogo de cartas marcadas.
O Ministério de Relações Exteriores da Venezuela publicou um comunicado, denunciando que não teve direito à legítima defesa e que se trata de uma fraude jurídica para saquear o Estado venezuelano. Já o Ministério Público solicitou uma ordem de prisão a José Ramón Pocaterra Esparza e Andrés Felipe Yrigoyen Luna, dois diretores da Citgo, nomeados por Guaidó.
“É a divisão dos bens, à última hora, com cumplicidade do seu fantoche local fracassado para acentuar um revanchismo contra uma empresa que pertence a todos os venezuelanos e venezuelanas”, declarou o chanceler Jorge Arreaza.
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A Venezuela também chama atenção para o precedente aberto por essa decisão judicial, já que a Citgo se trata de um bem privado de outro país, com sede nos Estados Unidos.
“Alertamos a comunidade internacional sobre o perigo que isso representa para os investimentos de empresas estrangeiras nos Estados Unidos e o grave risco que estão sujeitos os seus interesses a manobras jurídicas como estas, dirigidas a confiscar ativos privados estrangeiros através de gigantes fraudes processuais e ações que violam o Direito Internacional”, acrescentou Arreaza.
A liquidação da Citgo estava proibida por uma medida do Escritório de Controle de Bens Estrangeiros (OFAC, sigla em inglês) aplicada em 2020, que estaria vigente até junho deste ano. A decisão buscava impedir que os credores estrangeiros da dívida da PDVSA tomassem a empresa em solo estadunidense. Com a execução da setença do tribunal de Delaware, faltaria apenas a suspensão dessa medida para que a empresa seja leiloada.
A petrolífera russa Rosneft, a gerenciadora de fundos de investimento britânica Ashmore Group e a canadense Crystallex seriam as principais beneficiadas com a venda das ações da Citgo para liquidar a dívida da PDVSA. No entanto, as empresas estadunidenses ConocoPhillips e BlackRock também poderiam ter vantagens com a transação.
Para o pesquisador do Instituto Samuel Robinson, William Serafino, a venda só será iniciada quando os Estados Unidos garantirem que sairão vitoriosos com a operação.
“É um triângulo que converte em beneficiários os principais atores financeiros. Então já não é mais um assunto sobre a venda das ações e quem toma conta da companhia, mas também que não caia na mão de países vistos por eles como rivais geopolíticos”, analisa.
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Ainda não se sabe qual será a posição de Joe Biden em relação a Guaidó e outros personagens da oposição venezuelana. Os próximos planos dos Estados Unidos, que mantém uma postura hostil contra o governo de Nicolás Maduro, serão decisivos para determinar a conclusão do caso Citgo.
“Ao autorizar a venda haverá dois efeitos: o primeiro é político. Seria catastrófico para a imagem que ainda resta a Guaidó, que ele fosse cúmplice e principal responsável de ter perdido um dos maiores bens da República, quando ele mesmo assumiu que iria protegê-los. O segundo é que perderiam uma fonte de financiamento importante para seguir financiamento operações de golpe, mudança de regime e outras operações violentas na Venezuela. É um jogo cheio de contradições”, afirma o analista venezuelano William Serafino.
Citgo Petroleum
Com uma produção de aproximadamente 700 mil barris de petróleo diários, a Citgo encerrou 2019 com um lucro de cerca de US$ 246 milhões. A filial da PDVSA tem três refinarias, nos estados do Texas, Illinois e Lousiana, três pontos de abastecimento de combustível e quase cinco mil postos de gasolina na costa leste dos EUA. Emprega cerca de 5 mil pessoas e é responsável por 4% do refino de petróleo no país e um dos principais provedores de combustível para a aviação civil.
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A Citgo foi comprada pelo governo de Rafael Caldeira, na segunda metade da década de 1990, com a PDVSA sob a administração de Luis Giusti López, em uma negociação mediada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A proposta era de que o Estado venezuelano, que na época devia US$ 34 bilhões, cerca de 50% do seu PIB, pagasse os empréstimos do FMI recuperando refinarias para reativar esse setor da economia estadunidense.
Por isso, durante mais de uma década, tanto a estrutura, como a gestão de Citgo eram estadunidenses.
Marina Duarte de Souza
Do “Brasil de Fato“